sábado, 21 de janeiro de 2012

Damani Vandúnem - Statu Quo

Já oiço falar do Damani há muito tempo. Temos um amigo em comum que pelos vistos é muito bom amigo dos dois, pois mereceu neste disco do Damani um tema que lhe foi especialmente dedicado. Já cheguei a ouvir um som ou outro e um dos vídeos que ele disponibilizou no youtube, mas, apesar de lhe reconhecer talento, simplesmente não era nada que me tocasse de alguma forma especial. Ainda assim e, vendo que o próprio disponibilizou este novo disco para download gratuito no seu bandcamp, achei que deveria emprestar-lhe mais uma vez os meus ouvidos tentando livrar-me das ideias pré-concebidas que vinham das escutas anteriores. Não me arrependi.

Na verdade, este disco não me preencheu as medidas no que toca à profundidade na abordagem, sendo, a meu ver, algo repetitivo, várias vezes despistando-me e deixando-me sem perceber qual é o foco dos temas.

Dito isto, um disco não se avalia só por aí e, para ser justo, a música se fosse toda compreensível com nítida limpidez, provavelmente não nos desafiaria à reflexão e à interpretação pessoal, perdendo eventualmente um pouco da sua graça.

Há coisas igualmente importantes que se retiram da escuta de uma música ou, no caso, de um disco repleto delas e, uma delas para mim, é a energia derivada da sinceridade no que se diz/canta que tem a capacidade de nos tocar de maneiras que complicam qualquer descrição racional. Terei de dizer que nesse campo, este disco esteve acima da média, sobretudo porque a fasquia das expectativas estava colocada a um nível bastante baixo, saindo eu com a alegria de ser surpreendido.

Para já, a nível de instrumentais, mesmo que não se reinvente a roda, o disco está super bem produzido, com uma musicalidade doce e agradável, atribuindo-lhe uma solidez rara de tão robusta (tem identidade sonora, mesmo os instrumentais que não me mexem tenho de reconhecer que estão bem produzidos).

O "escorrega" (flow) do homem terá poucos defeitos a serem apontados, com uma levada segura e sempre dentro dos tempos, sem grandes oscilações o que poderá jogar tanto à favor como contra, pois poderá eventualmente tornar-se aborrecida após 10 faixas. No caso dele e na minha opinião, será neutro, pois tem um timbre único e um tom sincero que acabam por encobrir os eventuais e reiterados lapsos que me tiram do sério ao ponto de saltar para a faixa seguinte. Esses pontos negativos passo agora a citar:
      - A opção pelo auto-tune para mim é um autêntico corta-tesão.
      - O inglês também não me cativa em absoluto e então quando se faz recurso a ele com a frequência que o Damani faz, pode matar músicas que a princípio teriam tudo para estar no meu leitor de mp3, como o Acto II por exemplo.
      - As frases que não rimam deixam-me um inexplicável amargo de expectativa traída.

Mesmo que as letras não sejam de um exímio domínio da palavra, não são necessariamente pobres e aí sim, posso dizer que é uma dika dele, um estilo próprio, no qual se sente que ele está completamente à vontade.

Há no entanto momentos em que a sua maneira própria de exprimir-se colocam os temas entre o "muito bom" e o "sublime":
    -  Em Aghatusi, Damani aborda com o coração desfeito a tragédia da criança africana e do continente em geral mostrando ser africanista com referências as influências do Egito na ciência moderna, com uma ou outra dika em Swahili e um refrão simples e eficaz.
   -  Em Afri Can, quase como uma sequela de Aghatussi, menciona a angústia de ser colocado numa categoria à parte entre africanos por ter kumbu, recusando a colocação nesse patamar dizendo que a raça "aos meus olhos é só uma". Coloca-se no papel de culpado, num tom auto-crítico sempre salutar e aplaudido pelos meus ouvidos, terminando com uma mensagem positiva e esperançosa "o nosso tempo chegou, é seguir em frente!"
   -  O Ma Trip é uma espécie de celebração do seu percurso, mais uma vez com dikas simples e honestas, assumindo-se por exemplo fã saudosista da francesinha. Tem também um pouco de convencimento em excesso na linha do "só faço classics", mas a variação do instrumental dos versos para o refrão é inebriante.
   -  O Aki na Banda é uma análise fria e "na mouche" da sociedade luandense que encontrou no seu regresso ao lugar para onde "os ponteiros apontaram", em cima de um dos melhores instrumentais de todo o disco. Um tema obrigatório do ano de 2011.

Em suma, é um álbum pessoal, com alguns temas bastante introspectivos, não havendo aqui piscar de olhos ao DJ para estar inserido entre "Abana o vestido" e "Windeck", sendo os seus temas mais animados (Dá-me Money e Make U Mine), dentro da linha dos outros todos, autêntico, sincero... é a dika dele, podemos sentir ou não e este eu senti. Obrigado pelo freebie de alto nível Damani!

01.Hello
02.Dá-me Money
03.Celebra a Vida (Tributo à Jimmy P)
04.Aghatussi
05.Ma Trip (Portugália)
06.Dronner
07.Aki na Banda
08.Afri Can
09.Make U Mine
10.Acto II
11.Bom Dia (Uma Tarde em Paz pt.II)
12.Falam,Falam
13.Iluminado
14.O Meu Belo Guia



Vão sacar o álbum ao bandcamp do mano aqui. É grátis!

2 comentários:

Luís Chagaca disse...

Esbarrei com o link pro disco por acaso no Twitter...aquilo foi sorte, tive a oportunidade de ouvir algo bem feito e inspirador. Parabéns ao Damani e aos produtores. Keep up

ikono disse...

A net tem essa magia né? A gente vai esbarrando nas coisas e sem dúvida que o ser grátis ajuda a curiosidade :)