quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Hip Hop Lusófono

As vezes descuramos aquelas coisas preciosas pelo simples facto que elas estão mais próximas de nós, ao alcance de um (a)braço, frequentam os mesmos espaços e fazem parte do mesmo "movimento". Será uma indiferença derivada de um fundo de inveja absurda, ela própria filha bastarda do excesso de competitividade artística (sobretudo) no hip hop onde um talento novo parece desprestigiar o antigo, ou pura e simplesmente o esquecimento inocente equiparável à tendência que temos até uma certa idade de privilegiar a solidificação de amizades ao invés de cultivar os laços familiares?
Prefiro depositar a minha crença na segunda e tenciono aqui, pelo menos pontualmente, redimir-me parcialmente sem avés marias ou padres nossos, mas com a postagem de 4 trabalhos (para mim) muito especiais, cada um da sua maneira e pelos seus motivos. Começo com dois parceiros Art'ivistas.

RAPadura - Amor Popular (Bootleg)

Em Abril deste ano recebi uma mensagem no myspace deste mano... mas estava em Angola e a ligação é tão má que não consegui ouvir os sons no site dele. Uma série de coincidências se seguiram, começando pela maior de todas que era a de ter aparecido uns dias depois um convite para eu ir ao Brasil por causa do documentário É Dreda Ser Angolano. Posto lá, fui ao space do Rapadura e vi que ele era do Ceará e curti bwé o orgulho regionalista nas rimas, mas sobretudo nos instrumentais dele, atribuindo-lhes uma identidade única corroborada com uma largada feroz e de uma fome voraz que transporta no seu tom uma honestidade nos sentimentos vociferados que é cada vez mais raro num panorama musical de milhões de artistas a procura do supérfluo. Respondi a mensagem do mano dizendo que estava na terra do Lula mas que ia para Brasília, muito distante do seu nordeste. A segunda coincidência é mesmo essa, o mano respondeu dizendo "oh cabôco, eu estou vivendo aqui em Brasília com minha mãe, chega aí rapá". Pronto, umas semanas depois lá estava eu em Samambaia Sul a provar comida nordestina e a conviver com o Xique Chico, que para além de um artista devoto, é também uma pessoa maravilhosa, enorme na sua humildade e dedicação às suas actividades sociais. Este EP é uma compilação de sons seus feita por fãs e depositada na internet como EP não oficial. Já é uma boa amostra do potencial do cabra.

01. Amor Popular
02. Andanças (ao vivo)
03. Partituras de Gravuras Mortas
04. Canto Sem fim c. MC Clayton
05. Além das Águas do Atlântico c. Chininha
06. A Quem Possa Interessar c. Gog



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Cfkappa e Xis da Questão - De C à X

Simplesmente inacreditável, este kanuko é muito mais que um rapazola assanhado saídinho das cascas, muito mais do que um atento estudioso do hip hop que percebeu como funciona o embelezamento do flow com rimas cruzadas, interpoladas, entremeadas e emaranhadas naquele já comum "isso nabiço faz isto assisto aos bicos com picos" blabla. Não. O n'dengue entrega-se a esse exercício mas sempre com um comprometimento total com o sentido das frases e a sua perceptibilidade para os ouvintes que não tenham paciência para anotar para um papel o que o artista disse para tentar decifrar. Seria inevitável fazer um post com tantos elogios e não reforçar esses elogios sublinhando que ele ainda só tem 17 anos, mas tinha 16 no momento que confeccionou esta mix com o seu parceiro no crime Xis da Questão. O Xis também transborda de talento (tem um som dele que vi cantar ao vivo que não me sai da cabeça até agora), é bastante sólido nas suas rimas e largada, mas nesta tape acaba por ser um bocado ofuscado de maneira não intencional pela opulente presença do (bastante franzino) Cfkappa. As vezes as vozes e o flow confundem-se, mas é na escrita que o mais novo dos dois mc's se destaca. Vejam por exemplo no som "C à X" no qual eles se elogiam mutuamente, as últimas linhas do verso do Cfkappa que enveredam de maneira sublime pelo universo da matemática:
"...o people diz que tu és egoista/tens muita inteligência, devias reparti-la/devias dar um terço nesses wís/ que são todos número 1 logo derivam de X/ os rappers se limitam e querem beefar contigo/ só esquecem que aqui o limite do X tende a infinito". Isso é REFINADO!!!
O Xis também tem grandes linhas tipo "Kappa és um indivíduo mau/ tu já tás maduro e nem te vi cair do pau". A escolha do "e nem" faz muito mais diferença do que possa parecer superficialmente, conseguindo um efeito muito mais engraçado do que o "mas". Fica tipo o dread está sempre atento no pau (árvore) mas o puto amadureceu tão rápido que quando ele piscou o olho o ndengue já tava no chão!
Enfim...há muito tempo que não podia dizer de uma mix inteira que ela merece MESMO a pena uma escutadela (sou tão mentiroso, ainda há umas semanas vos meti aqui a do Nokas eheh), saquem, constatem e se eu estiver enganado, vocês escolhendo apagar o mambo, darei a mão a palmatória. O FUTURO DO HIP HOP ANGOLANO (se não ficarem já inflamados antes do tempo).


01. Intro
02. Sou o Hip Hop
03. Conto Contigo
04. De C à X
05. De Olhos Abertos
06. Felicidade do Poeta
07. Porquê Fazemos Isso
08. Ouçam
09. Punchliners
10. Kappa
11. Connosco Não!
12. Deixa Morrer Como se Deve

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Edu ZP - Só Pelo Exercício

Lembro-me de ter ouvido por alto alguns sons do Realismo Psíquico há uns anos atrás e ter ficado com uma impressão do género "epá aqui há qualquer coisa". Acho que esse qualquer coisa era essencialmente a entrega e simplicidade de um dos MC's do trio, o Edu ZP. Ele destacava-se claramente dos outros dois (Tranzas e Edinho Matahany) e é aliás o único dos três que continua hoje a fazer música. Se calhar porque está nos genes. O pai é o Marito, guitarrista dos Kiezos, uma banda mítica no panorama nacional durante os anos 80. Seja qual for a motivação motriz do Edu, ele tem vindo a crescer (em todos os sentidos, o mwadié tá bem bebuxo) sem modos nesses últimos anos, parecendo que os pratos que lhe têm sido servidos lhe causam justamente o efeito inverso da saciedade, deixando-o ainda mais faminto e mais guloso pelo microfone e procurando a excelência na performance, que é já muito impressionante (o brother tem caixa, rappa sem parar e SEM BACKS!!!). Reconhece que não é disciplinado e por esse e outros motivos, o seu álbum EDUcação ainda não viu a luz do dia, mas para saciar os seus adeptos mais fervorosos ele resolveu meter uma espécie de "teaser" em circulação e eu cá estou para difundi-lo, até porque ele inclui lá um remake de um dos meus sons que remodelamos e retocamos, acrescentando-lhe um segundo verso. Falo da "Costelinha Nómada", vulgo "chinês" que é o som de abertura deste EP. O Edu é dono de um poderoso flow, bem envolvente e cativante e como já referi, de uma agradável simplicidade nas rimas.




01. Costelinha Nómada (6 Meses Mais Tarde) c. Ikonoklasta
02. Condecoração
03. Recolher Obrigatório
04. Experiência de Vida c. Tranzas e Edinho Matahany (Realismo Psíquico)
05. Disse c. Flagelo Urbano
06. Voz da Libertação c. Tranzas e Edinho Matahany (Realismo Psíquico)
07. Expontaneidades c. Vui Vui
08. Só Pelo Exercício

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Darksunn - Fractal EP


Sinceramente não me lembro bem como foi que nos conhecemos, há de ter sido nesse universo myspace "passa lá para ouvir" ou msn "foi o dred lambda que me passou o teu contacto", mas acabei por sacar este EP dele e ficar completamente aturdido com a qualidade de produção do rapaz. Há uma mais do que evidente influência do RJD2, mas ainda assim o som consegue ser característico, único e, sobretudo, completamente ao lado de TUDO o que se faça nesse género em Portugal, ou pelo menos TUDO o que conheço, ou TUDO o que é divulgado. Hoje em dia já começa a haver espaço para cenas mais alternativas tipo o DJ Ride (ainda tenho de ouvir isso), ainda assim, muito timidamente se vai dando passos na promoção dessa diversidade. O Darksunn pertence a um colectivo da margem sul de Lisboa chamada Triplo 7 Produções e está neste momento a trabalhar com o Stray, um MC do Porto, num projecto chamado I Robot. Este EP podia ser de qualquer país no mundo, é essencialmente instrumentais com samples de voz e está 5 estrelas. Altamente aconselhável.


1. It Came From The Sky
2. Causalidade
3. Deus Ex Machina
4. Diatrabalhonoite
5. Realidade
6. Marina
7. Página 7

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