Eis um segundo álbum que me fará regressar ao primeiro com mais atenção, pois sobrevoei literalmente o "Hotel Impala" sem lhe emprestar realmente os meus ouvidos. O segundo de originais deste congolês/belga que emigrou atrelado ao pai para a Bélgica ainda bebé, deixando para trás a mãe de quem só voltará a ouvir falar 23 anos mais tarde, é simplesmente sublime.
Ao pai pertencia o Hotel Impala que foi, ao que parece, destruído durante uma das muitas guerras que lavraram a RDC. O kota era um homem de negócios que vivia entre Liège e Lubumbashi e que perou uma mamoite num daqueles tiros de desanuvio, deixando a kota concebida. Através do azar lhe puseram nome Baloji que quer dizer feiticeiro ou bruxo em swahili.
O kota abandonou a cria indesejada com a mboa de ocasião que virou mãe de um bruxo, mas depois de 4 anos a consciência lhe pesou e levou o kandengue pra Bélgique, onde ele se vê rodeado de estranhos passados repentinamente a "frères". No entanto, nunca chegando a ser verdadeiramente aceite pela nova mãe que o via como fruto de uma traição do marido, cresceu com feridas internas que não cicatrizavam e tornou-se violento, saindo de casa aos 16, vivendo em casas ocupadas e dedicando-se a delinquência para sobreviver, aos 20 escapou ser recambiado para sua terra natal após problemas fáceis de adivinhar com a polícia, ficando sem conseguir renovar os seus papéis (dos 4 aos 16 não foi o suficiente para lhe darem nacionalidade? fascistas do caralho!).
A luta dos papéis foi vencida, o grupo de rappers ao qual pertencia rebatizou-se Starflam, tiveram um sucesso incomum para um grupo belga de hip hop e, depois de 3 álbuns, o Baloji decide que já não quer mais nada com o microfone..até receber uma carta da mãe verdadeira que o viu num clip pela televisão e o reconheceu, 23 anos depois!
Levou 3 meses a reunir coragem para ligar para a velha, que lhe pede que faça um resumo do que tinha sido o seu percurso desde que se separaram. A resposta veio em forma de álbum solo, o Hotel Impala, que termina usando o mui conveniente sample "I'm going home to see my mother" de Marvin Gaye.
Daí para o Kinshasa Succursale a história continua linda e recheada de peculiaridades tão comuns no nosso flagelado continente que continua a ter estofo para parir autênticas aberrações de humildade, de amor ao próximo, de simplicidade, de generosidade, inspiradores pelo simples facto de existirem, sobreviventes nesse mundo que só lhes cobra juros.
Em 2007 quando cumpriu a promessa de regressar à RDC, descobriu que a sua carta audiofónica não tinha sido recebida com a intensidade que lhe aplicou, muito por culpa das sonoridades do hip hop que continua a insistir em samplar o soul, funk e a música preta norte-americana, com as quais o congolês não tem necessariamente muita afinidade.
Assim decidiu fazer este álbum completamente congolesado para não haver pretextos de aculturação e que bomba que saíu! Para mim, completamente revolucionário no seu experimentalismo, fundindo em simbiose perfeita a modernidade do hip hop com os populares soukous, dombolo, afro-rumba, mutuashi, sébéné e outros como o afro-funk nigeriano e o ska jamaicano. É mais um daqueles álbuns relâmpago (vide Ayo) gravado em 5 dias depois de uma audição a 35 músicos que nunca tinha antes visto, chamaram-lhe l' Orquestre de la Katouba, inspirado no ghetto de Lumbumbashi onde Baloji nasceu e onde, até hoje, reside a sua mãe.
A gravação foi ouro sobre azul mas a EMI (editora do Baloji) odiou o disco, alegaram que não conseguiriam vender mais de 150 cópias, cortaram-lhe a corda, provando mais uma vez a incompetência das majors em lidar com a diferença, não podendo aplicar as mesmas fórmulas corriqueiras que lhes permitem não ter mais de usar a massa encefálica para adequar cada campanha de marketing a cada produto ao qual corresponderá um público alvo. Resumindo, outra editora mais pequena e desconhecida pegou naquilo e vendeu 60 MIL cópias!!! Consequência imediata: chamou bwé de atenção aos grupos de interesse comum, dentre os quais se destaca o óbvio Damon Albarn que o recrutou para o seu projeto Africa Express, teve uma tourné mundial e está a preparar um novo disco.
Como se não bastasse, fez dois dos vídeos mais fodidos de qualquer derivado da cultura afro de SEMPRE, para os quais as suas noções de insider do mundo da moda (já foi modelo da Louis Vuitton) ajudaram na coesão do aspético estético.
Fisicamente e mesmo de xipala o Baloji faz-me bwe lembrar o nosso Pensólogo Shunnoz Fiel dos Santos.
Acho que chega de conversa fiada. Oiçam vocês e façam o vosso juízo.
01 Le jour d'après / Siku ya Baadaye
02 (Indépendance Cha-Cha) avec Royce Mbumba
03 Tshena Ndekela avec Monik Tenday
04 Karibu ya Bintou avec Konono No. 1
05 Congo Eza ya Biso (Le secours populaire) avec La Chorale de la Grâce
06 De l'autre Côte de la Mère
07 À l'heure d'été - Saison Sèche avec Larousse Marciano
08 La petite espèce (Bumbafu Version)
09 Nazongi Ndako (Part 1) avec Zaiko Langa-Langa et Amp Fiddler
10 Nazongi Ndako (Part 2) avec Royce Mbumba
11 Kyniwa-Kyniwa avec Bebson de la Rue
12 Genèse 89
13 Tout ceci ne vous rendra pas le Congo
14 Kesho avec Moise Ilunga
O melhor vídeo na minha opinião
Mas prefiro esta música
Catem o mambo aqui
5 comentários:
fiquei curioso sobre o rapper e de certeza vou ouvir, para depois vir dizer a minha justiça.
Não achei que este seja um álbum de hip-hop, embora ele seja rapper e repa em todas as músicas, as músicas mantêm a sua identidade, os soukouss continuam soukouss, os salsas, salsas, etc, etc, senti a falta da base hip-hop que aperfeiçoaria a mistura. No entanto, gostei do album, pelo menos de metade dele.
qual salsa, chachacha.
eheheh depende dos moldes em q se limita a sonoridade "rap" (a cada vez que há uma incursão por novos mundos rítmicos, existe uma certe resistência em aceitar a unicidade dentro do universo), mas point taken. Já agora, se não é um álbum de rap/hip hop, é um álbum de ke? World Music?
Ya, talvez isso mesmo: um world music transpirando a rap. E quando disse "aperfeiçoar" foi no sentido hipópico, que as músicas estavam bem.
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