Espaçados de 20 anos saíram os dois únicos álbuns da autoria de André Mingas. O primeiro, Coisas da Vida, foi, na altura, uma lufada de ar fresco para a música angolana um pouco "desinspirada" depois da fase 61-77, onde muitos músicos pereceram dado o clima de intolerância vigente, tendo os outros sucumbido ao medo ou ao conformismo, contentando-se em fazer "música de farra, para animar a malta", como se a sua missão artística tivesse sido atomizada ao papel mais do que redutor de "distração para esquecer as malambas da vida". O Coisas da Vida (já aqui colocado por duas vezes) vem tirar-nos da mesmice do semba e kizomba, para descomplexadamente abraçar influências afro-jazzísticas, com uma forte veia Djavanesca, criando algures no meio uma doce, única, nova sonoridade angolana. Um disco irradiando boas energias e uma esperança contagiante, quando ainda era jovem, vigoroso e (parece que excessivamente) viril.
É Luanda é um disco que, na senda do primeiro, acaba por parecer pouco mais que uma versão deste, com mais experiência, mais arranjos, mais polido, mais consistente, mas também menos expansivo, mais comedido, muito contido, quase que parecendo que mais preocupado em mostrar que dominava a sua arte com mestria, do que em divertir-se no processo com a forma apaixonada e descomprometida de outrora. Versão mais adulta, com tudo o que isso acarreta, a sublimação na técnica lírica, mas simultaneamente, a condescendência e a monotonia maçante.
Não quero tirar nada ao álbum, é lindo, mas sinceramente, esperava um pouco mais de arrojo e modernidade por parte de um homem vanguardista como o André era.
O álbum começa em alta rotação com o tema que analisa a ligação centenária Angola-Bahia, cujos resultados são tão evidentes, que para observá-los se prescinde de microscópio. Uma música fixe para arranhar a superfície dessa relação iniciada com o comércio triangular, muito mais ficou por dizer, incluindo itens óbvios como a capoeira e o samba.
O Tons de Azul ainda consigo tolerar no limite, apesar de achar muito a onda do Djavan que me foi cansando ao longo dos anos, já o Minha Doce Mulher passa das marcas, muito Emílio Santiago a quem reconheço o valor, mas não consigo apreciar, não escorrega.
Não percebi a ideia de remisturar um clássico 20 anos depois sem o transfigurar. Falo obviamente do O Que Eu Quero. Parece simplesmente uma versão de palco, não me parece digna de vir fazer upgrade da pérola do Coisas da Vida. Eu salto essa música, ainda que conserve a beleza estética e a musicalidade de extremo bom-gosto a que nos habituou o kota Mingas, mas fica tipo comer o prato principal depois da sobremesa.
Marina é talvez o meu tema preferido. Gosto mais destas histórias assim com as quais consigo me identificar, que de uma assentada só faz crítica social e política. Só tenho pena que, sendo o único tema deste género, se opte pela fácil opção de cascar nas mboas que, vítimas de um mundo machista e vergando-se às suas regras, tomam opções ruinosas que em nada lhes abonam.
O último dos temas monumentais deste disco é o Miles, Mary e Liceu, obviamente um ode a três das suas grandes influências: Miles Davis, Mary (?? - confesso que não estou a deslindar quem seja esta Maria, qualquer ajuda será bem-vinda) e Liceu Vieira Dias. Grande refrão, muito forte, muito emocionante.
Resta-me lamentar que alguém tão talentoso tenha deixado um espólio musical tão parco, ao todo menos de 20 temas originais, mas, que gostosos que são, que petiscos para os tímpanos, mas, sobretudo, para o coração e para a alma.
Obrigado kota André, deixaste o mundo mais rico com a tua passagem.
01. É Luanda
02. Tons De Azul
03. Minha Doce Mulher
04. O Que Eu Quero
05. Nudez
06. Marina
07. Bombons
08. Cio
09. Por Amor
10. Miles, Mary E Liceu
11. Paxi Ni N'gongo
Biznei o link do Angomúsicas por isso vos encaminho para o catarem lá
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