sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Frank Ocean - Channel Orange

Há muitos anos que deixei de gostar de R&B. Na verdade, acho que nunca gostei verdadeiramente do género senão de alguns trechos de alguns artistas, sobretudo quando tivessem uma sonoridade mais aproximada a do hip hop nova iorquino, com instrumentais pesados e participações dos meus então rappers preferidos, tipo malta da Wu, Def Squad, Hit Squad, ou produções do DJ Premier, enfim, os "pesados".

Dificilmente digeria um álbum completo da Mary J. Blige, para começar mesmo já pela mboa que chamam de "Rainha do R&B", Faith Evans, Usher, R. Kelly. Simplesmente não escorregava, parecia forçado, romance de xarope. Todos esses artistas sempre me deram a ideia que gostariam de ter "coragem" de ser Lil' Kim e Ol' Dirty Bastard, irreverentes e despudorados, mas optavam por criar uma imagem de amorosos sedutores, corações de manteiga chorando desalmadamente diante de filmes românticos. Vendia mais e, por sorte, tinham o talento vocal que nem a Kim, nem o ODB certamente possuíam, pelo menos não antes do Auto-tune permitir que tubos de escape enferrujados se tornassem rouxinóis na primavera.

Não comparemos jamais o R&B com o Soul, ou o que se veio recentemente a chamar de Neo-Soul. O Musiq Soulchild dos primórdios, Jill Scott, Erykah Badu, Raphael Saadiq e o monstruoso D'Angelo, são outra liga, a nunca misturar com nomes tipo SWV. Por favor!

Eis que aparece este rapaz. Fui lendo o nome dele varias vezes no hiphopsite.com, um site onde vou escutar as novidades do momento e manter-me atualizado nas novas tendências do hip hop. Um dia, deu-me curiosidade, até porque ele vem da mesma crew que o Tyler the Creator, então apertei no play e escutei um sonoro. "Wau! Isto é... mmmhh... surpreendentemente fresco! É R&B mas... mmmhh... como posso explicar isto? Mmhhh, não sei, acho que simplesmente gosto!"

Baixei o som e a partir daí fiquei atento. Quando o segundo som foi disponibilizado, ouvi, gostei ainda mais e deixei de achar que tinha sido um feliz acidente, que o miúdo era para levar a sério.

Depois vem a demonstração de tomates e caráter: o mano assume publicamente que o seu primeiro amor... foi um homem! Isto num meio altamente xenófobo e misógino como é o hip hop, onde muitos artistas se referem às mulheres como putas ou vacas e onde o termo "fag" é frequentemente empregue nas tradicionais batalhas, buscando humilhar o adversário. Isso fez-me perceber que estaria perante alguém que leva a sério o que faz, que não é mais um segue-modas e caça dólares, que é franco, sincero, aberto e entendi melhor porque gostei logo à partida: o tal elemento que só se SENTE, que não está na qualidade das letras ou dos instrumentais, a profundidade, o sentimento, a entrega  na interpretação, algo que só pode sair das profundezas da alma, empurradas pelo palpitar do coração. É isso que faz com que os géneros deixem de importar, que a música assuma o papel que deveria ter sempre caso não se compartimentalizasse com a industrialização, tornando-se transversal e "reinventando a roda" a cada nova etapa percorrida, sendo músicos como este rapaz que criam os marcos no caminho.

O disco está absolutamente delicioso, recomenda-se fervorosamente e só desejo que esta pureza não se perca na inevitabilidade do sucesso que lhe espera e que, aliás, já começou. Difícil será manter-se inspirado e inspirador, mas que teve um excelente arranque, ai isso é que teve.

Senhoras e senhores:
01 Start
02 Thinkin Bout You
03 Fertilizer
04 Sierra Leone
05 Sweet Life
06 Not Just Money
07 Super Rich Kids (f. Earl Sweatshirt)
08 Pilot Jones
09 Crack Rock
10 Pyramids
11 Lost
12 White (f. John Mayer)
13 Monks
14 Bad Religion
15 Pink Matter (f. André 3000)
16 Forrest Gump
17 End

O brada usou para teaser o meu som preferido do disco até agora:


Catem o biznu nos comentários antes que a Def Jam apague o link